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PORTO: TYP. DE BARTHOLOMEU H. DE MORAES
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INTRODUCÇÃO
Portugal é um dos paizes que a Providencia dotou com
maior somma de recursos para produzir os mais variados e
preciosos fructos da terra.
A accidentação natural do solo, a grande diversidade da
sua constituição geologica, e as differenças de clima que
se notam n'esta estreita facha de terreno, offerecem-nos a
vantagem de vermos crescer e fructificar no nosso paiz tanto
os vegetaes das mais afastadas regiões do norte como a maior
parte dos filhos das zonas tropicaes.
Pouco nos aproveitarão estes preciosos dons da natureza,
se a razão e a instrucção nos não guiarem no uso que d'elles
fizermos.
Temos em Portugal alguns terrenos que se prestam optimamente
ás culturas cerealiferas e pratenses; mas é certo
que nas condições mais geraes do nosso paiz, o relevo da
terra, a irregularidade das chuvas, a seccura do ar, e mesmo
a natureza do solo, fazem com que as culturas herbaceas e
colmiferas sejam em geral pouco remuneradoras.
O primeiro e mais importante problema que o agricultor
tem a resolver, para conseguir o maior lucro possivel da sua
propriedade e do seu trabalho, é saber qual a cultura que na
sua terra e nas suas condições lhe poderá produzir o maximo
producto liquido. Para isto tem de attender ao clima da região
que habita, tem de interrogar com insistencia o seu solo,
tem de ponderar as condições economicas da sociedade em
que vive, e de investigar quaes são os productos que o seu
terreno poderá produzir, que obtenham mais prompta e vantajosa
venda. Isto é intuitivo, e parece ocioso dizer-se, mas é
certo que, o que mais geralmente ainda se vê, é que cada
um cultiva o que seus avós cultivaram, sem attenção alguma
para as condições da sociedade e dos mercados actuaes.
6
A maior parte dos nossos lavradores lucta, trabalha, exhaure
as forças e a vida, para arrancar da terra uma seara
mesquinha, quando com menos trabalho poderia auferir muito
melhores proventos, se soubesse e quizesse utilisar o solo segundo
a sua melhor aptidão, e em conformidade com as exigencias
da sociedade, que se revelam pela melhor remuneração
que dá aos productos que mais aprecia.
Em muitos pontos do paiz temos visto magnificas encostas
que poderiam dar opulentos vinhedos, ou preciosas arvores
de fructo, condemnadas á misera cultura de pobrissimo centeio!
Para quem tem algumas noções da economia rural de Portugal
é axiomatico, que, salvo pequenas excepções, são as culturas
arbóreas e arbustivas as que mais generosamente remuneram
os capitaes do proprietario e os trabalhos do agricultor.
A vinha e a oliveira téem sido, até hoje, as nossas mais
copiosas fontes de riqueza; a laranjeira e a figueira tambem
já concorrem notavelmente para a prosperidade dos nossos
agricultores, proprietarios e commerciantes. Abre-se agora uma
nova época em que muitas outras arvores podem e devem ser
chamadas a produzir aureos e avolumados fructos para a bolsa
dos cultivadores que as queiram e saibam explorar.
Os novos meios de transporte reduziram a distancia que
nos separava da America a doze ou treze dias de viagem. Em
breve estaremos em communicação directa e diaria com o
centro e norte da Europa. Os saborosos fructos das margens
do Tejo, do Douro e do Mondego poderão facilmente ir figurar
ás mezas abastadas d'aquelles paizes. Se soubermos aproveitar
estas circumstancias, e explorar os mercados que se
nos offerecem, poderemos auferir bons interesses. É tempo de
tentarmos algum esforço n'este sentido; a terra e o clima são
por nós, mas se tudo fiarmos da Divina Providencia outros nos
tomarão o passo.
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Os francezes e os belgas, nos frios e brumosos climas de
Pariz e Bruxellas, com o auxilio da arte produzem hoje fructos
de meza como só por maravilha se vêem nas mais felizes
regiões do nosso paiz. Nós vamo-nos contentando com o que
a liberalidade Divina nos concede; os fructos das nossas arvores
podiam ser incomparaveis de formosura, de gosto e de
aroma; são quasi todos rachiticos, enfezados e corroidos de
vermes!... paciencia, vão-se consummindo assim. Mas se entendermos
que nos convem leval-os ao estrangeiro em troca
do seu ouro e dos seus productos, então é preciso que olhemos
com mais algum amor pelas nossas arvores, que as tratemos
com mais cortezia. N'este abençoado torrão, ellas não
são esquivas e avarentas senão para quem as despreza e maltracta;
são sempre prodigas dos seus mais primorosos dons
para quem as ama e lhe sabe satisfazer as vontades e caprichos.
Alguns cavalheiros que se interessam pelo bem d'esta terra
e que comprehendem e sabem distinguir as verdadeiras bases
da prosperidade publica, téem já apostolado estas idéas pela
palavra, pela imprensa e pelo exemplo, mas para que ellas
possam ser bem comprehendidas e acceites é preciso que se
vulgarisem quanto possivel. É preciso principalmente que os
nossos arboricultores conheçam as regras e preceitos que lhes
devem servir de guia na prática dos seus trabalhos.
Para satisfazer a um fim de tão manifesta utilidade, apenas
temos em portuguez alguns trabalhos dispersos em varios artigos
de publicações periodicas e algumas memorias e tratados
especiaes ácerca de uma ou outra cultura; não temos um
livro que resuma com simplicidade e clareza os principios que
devem dirigir a cultura e exploração racional das arvores fructiferas
em geral, e em especial das mais uteis e mais vulgarisadas
no nosso paiz.
Na França, na Allemanha e na Belgica téem-se publicado
dezenas de obras d'esta natureza, das quaes algumas contam
muitas edições e são lidas em Portugal, mas sendo destinadas
a regiões muito differentes da nossa, é claro que as
suas doutrinas não podem ser acceites em Portugal sem muita
reflexão e grandes modificações; muitas práticas uteis n'aquelles
climas são aqui prejudicialissimas.
N'estas circumstancias entendi que algum serviço podia
fazer aos meus conterraneos, empenhando as minhas forças
para executar um trabalho que julgo de tão urgente necessidade.
8
Para que este trabalho possa realmente preencher o seu
importantissimo fim, tem de ser baseado em larga prática e
muita sciencia. Apesar da dedicação com que ha nove annos
me applico ao estudo d'estas materias, e do attractivo
que sempre encontrei na sua prática, sinceramente confesso
que não podia nem devia confiar sómente nos meus recursos
pessoaes, por isso procurei robustecer-me com o auxilio d'alguns
cavalheiros, professores e amadores, que pelo seu muito
saber e experiencia téem auctoridade notoria no assumpto que
vou tratar.
ESTUDOS PRELIMINARES
A arboricultura é um dos grandes ramos em que se divide
a agricultura; baseada nos principios que as sciencias naturaes
lhe fornecem, e nos factos que a observação e experiencia lhe
tem demonstrado, offerece-nos o conjuncto de conhecimentos
e preceitos que devem guiar-nos na cultura e exploração das
arvores.
É especialmente ás arvores de fructo e de ornamento que
a arboricultura dedica os seus estudos; a cultura e aproveitamento
das arvores florestaes e das mattas pertence ao dominio
da silvicultura. [1]
Chamam-se arvores todos os vegetaes que apresentam um
tronco lenhoso e consistente que se eleva a uma altura maior
ou menor sem se ramificar; tomam o nome d'arbustos as plantas
que apresentam um caule lenhoso mais debil e ramificado
logo desde a base.
A botanica divide os vegetaes em tres grandes secções:
os dicotyledóneos, os monocotyledóneos e acotyledóneos; a sua
structura e physiologia divergem consideravelmente. É sobre
as plantas da primeira secção que versa o nosso estudo. As
arvores e arbustos da segunda secção não são cultivados economicamente
no nosso paiz [2]; a terceira não comprehende vegetaes
arboreos nem arbustos, pelo menos na nossa região e
no nosso tempo.
[1] Julguei conveniente tratar n'este livro d'algumas arvores florestaes,
como o sovereiro, o azinheiro e castanheiro, não só porque tambem
se podem considerar arvores fructiferas, mas pela grande importancia
economica que téem no nosso paiz.
[2] Nas nossas colonias cultivam-se com grande vantagem muitas
arvores e arbustos d'esta secção; no Algarve dá-se a bananeira ao ar
livre, mas a sua cultura está limitada a alguns jardins e hortas de regalo.
10
As arvores e arbustos produzem lenha, madeiras de construcção
e de marcenaria, fructos, essencias, rezinas, etc.; mas
não é sómente n'estas producções que se resume o seu valor
e utilidade.
As arvores purificam o ar, modificam favoravelmente os
climas, moderando a intensidade dos calores do estio e os rigores
do frio do inverno, e mantéem a regularidade das estações.
O gaz acido-carbonico expirado pelos animaes, produzido
em todas as combustões e originado por mil modos nos centros
populosos, ha muito teria tornado a terra inhabitavel se
as arvores se não encarregassem de a desempestar, absorvendo
e decompondo em si aquelle fluido e restituindo-nos o
ar puro e vivificador. A abundante evaporação que tem logar
nas suas folhas durante o estio, produz uma notavel frescura
que suavisa a temperatura propria d'aquella estação. O obstaculo
que oppoem á irradiação do solo, durante o inverno, modifica
d'um modo muito sensivel o rigor do frio.
Os arvoredos servem d'abrigo contra os ventos, demoram
a passagem das nuvens, que muitas vezes nas suas proximidades
se resolvem em chuvas fertilisantes. [3]
Por tudo isto se vê que a arboricultura, além do alto interesse
que nos offerece pela sua producção immediata, deve
merecer a todos a mais dedicada consideração pelas altas conveniencias
sociaes que representa.
[3] A questão da influencia dos arvoredos sobre os climas tem sido
ultimamente muito debatida. A nossa opinião a este respeito é a que
ahi fica exharada. Aos que dizem que os arvoredos, longe de provocarem
as chuvas e manterem a humidade e frescura no solo e no ambiente,
produzem effeitos inteiramente oppostos, aconselhariamos apenas
que fizessem uma viagem ao nosso archipelago de Cabo Verde.
Vê-se alli a ilha de S. Vicente completamente árida, não alimenta um
arbusto; passam-se dezenas d'annos sem que receba do céo uma gotta
d'agua; e a poucos kilometros de distancia vê-se a ilha de Santo Antão,
coberta d'arvoredos, offerecendo um clima muito mais fresco; as chuvas
são alli regulares nas estações proprias.
11
As arvores e arbustos que crescem no estado selvagem
ou entregues apenas aos cuidados da natureza, só véem a
fructificar muito tarde; ás vezes produzem fructo em abundancia,
mas sempre muito contingente, desmedrado e de má
qualidade; nos annos em que as estações correm prosperas,
carregam demasiado, mas a maior parte do fructo não chega
á maturação, e o que lá chega é sempre pêco e enfezado; a
arvore fica exhausta de seiva, de modo que no anno seguinte
nada produz.
Por uma cultura e tratamento racional poderemos obter
com segurança uma producção abundante todos os annos, mais
temporã e d'uma qualidade incomparavelmente melhorada.
Antes de entrarmos no estudo dos preceitos práticos que
temos a seguir para obtermos este resultado, é indispensavel
fixarmos alguns principios de anatomia e physiologia vegetal,
e algumas noções sobre a acção dos principaes agentes physicos
da vegetação. Estes conhecimentos servir-nos-hão de valioso
auxilio para conhecermos a razão d'alguns factos que
teremos de observar, e para não operarmos ás cegas e ao
acaso.
PRIMEIRA PARTE
ANATOMIA VEGETAL
Se observarmos uma planta no seu estado normal de vegetação,
veremos que ella compõe-se de um certo numero de
partes, de organisação e textura differente, que para facilidade
do nosso estudo nos convem distinguir e classificar.
Os vegetaes vivem na terra e na atmosphera; uma parte
desenvolve-se no interior do solo, e alli procura absorver os
elementos nutritivos que precisa; esta parte subterranea constitue
o que chamaremos systema radicular; outra parte vive
na atmosphera, transporta e transforma os elementos absorvidos
pelas raizes, absorve outros principios novos que o ar
ambiente lhe fornece, elabora-os e prepara-os para serem definitivamente
assimilados; esta parte aeria toma o nome de
systema ramifero.
14
Chegando a certa idade e a certas estações, os vegetaes
apresentam orgãos novos, de duração ephemera; são pequenos
botões que mais tarde desabrocham em flôres, transformam-se
em fructos, e produzem sementes.
Temos pois duas ordens de orgãos, cujo destino é essencialmente
diverso. As raizes, tronco, ramos e folhas, são destinadas
a facultar ás plantas os meios de poderem prover á
sua subsistencia individual; por isso se dizem orgãos de conservação.
Os botões, flôres, fructos e sementes, formam o grupo
d'orgãos chamados de reproducção.
ORGÃOS DE CONSERVAÇÃO
Raizes (fig. 1.ª) - No systema radicular temos a distinguir
o collo da raiz, a raiz mestra ou espigão, as raizes propriamente
ditas, as radiculas ou cabelleira e os espongiolos.
Fig. 1
O collo é uma linha imaginaria que passa entre a parte
inferior do tronco e a parte superior da raiz.
Espigão ou raiz mestra. - É o corpo principal da raiz; enterra-se
profundamente no solo, n'uma direcção proximamente
perpendicular.
15
Raizes. - São as que ordinariamente nascem ao lado e ao
longo do espigão; tomam uma direcção obliqua, e ás vezes
horisontal; ordinariamente ramificam-se consideravelmente.
Radiculas ou cabelleira. - São os filamentos tenues e delgados
que nascem das raizes; renovam-se e crescem sem augmentarem
em grossura e são dotados de grande actividade
vital.
Espongiolos. - Não são orgãos propriamente distinctos;
na extremidade das radiculas ha uma parte esponjosa, revestida
externamente apenas de uma epiderme muito tenue, dotada
de grande força d'absorpção, que toma esta denominação.
Considerações ácerca das raizes. - O systema radicular deve
fixar solidamente a planta na terra, e proporcionar-lhe a necessaria
alimentação. Nas arvores nascidas de semente, que
nunca foram transplantadas, a ramificação e direcção das raizes
corresponde approximadamente á ramificação e direcção do
systema ramifero. N'uma pereira, por ex., de tronco erecto e
ramos aprumados, acharemos raizes profundas e quasi verticaes.
A macieira, que apresenta os ramos mais horisontaes e
ás vezes pendentes, tem raizes muito mais obliquas e superficiaes.
As raizes propriamente ditas ramificam-se muito mais do
que o espigão, e assim dão logar á multiplicação das radiculas
e dos espongiolos; vivem n'uma camada de terreno mais
superficial, por isso mais fertil. D'estes factos tiraremos mais
adiante deducções importantissimas para as práticas arboricolas.
Caule. - É a columna que serve de sustentaculo á arvore;
a uma altura maior ou menor, segundo as especies, e segundo
as condições em que vive, ramifica-se. As primeiras ramificações
chamam-se arrancas ou ramos primarios; estes ramificam-se
por seu turno, e produzem ramos secundarios; as
subdivisões d'estes são ramos terciarios, etc.
A textura e organisação do caule e dos ramos é identica.
Se fizermos um corte n'um ramo ou caule, perpendicular ao
seu eixo, observaremos, a principiar da circumferencia para o
centro (fig. 2.ª), primeiro a casca (a), segundo as camadas lentosas
(b e c), terceiro um canal interior de maior ou menor
calibre, ás vezes cheio de medula, outras vezes ôco (d).
16
Fig. 2
A casca. - Na parte mais exterior da casca, nas arvores e
ramos novos, distingue-se um tecido fino, semi-transparente,
destinado a resguardar os tecidos subjacentes: é a epiderme;
em seguida ha uma camada esverdiada mais ou menos succosa:
é o tecido herbaceo; nas arvores velhas chega a desapparecer
completamente, e em seu logar apparecem as camadas
corticaes, que em algumas arvores chegam a ter grande espessura.
Subjacente a estas, apparecem as camadas do liber,
formadas de laminas ou folhas delgadas sobrepostas umas
ás outras como as folhas d'um livro; n'estas laminas circula
uma infinidade de pequenissimos canaes que vão desde a raiz
da planta até ás folhas e á extremidade dos ramos; entre estes
pequenos tubos distingue-se um tecido celular, frouxo e
esponjoso; nota-se que nas camadas mais externas do liber
este tecido é mais sêcco e compacto, e as camadas mais internas
são mais tenras e frescas, o que significa que as interiores
são mais novas.
O lenho (fig. 2.ª b c). - O lenho é formado de camadas
concentricas fibrosas, notando-se que as mais interiores apresentam
uma côr mais carregada e um tecido mais compacto e
pesado; são estas que formam o cerne (c); as mais exteriores,
de côr mais clara e de textura mais frouxa, formam o
borne ou alburno (b); d'estas as mais superficiaes são as que
se apresentam mais frescas e carregadas de succos, indicando
uma organisação mais recente.
17
Viu-se que na casca as camadas mais internas eram as
mais novas; ao contrário no lenho são as mais externas as ultimas
que se formaram.
Canal medullar (fig. 2 d). - Nas arvores velhas chega a
ser quasi imperceptivel; nas novas apresenta-se cheio d'um
tecido flacido e leve, que é a medulla; prolonga-se desde o
interior das raizes até á extremidade dos ramos.
Raios medullares (fig. 2). - São umas linhas ou fendas
finissimas que partem do canal da medulla para a circumferencia,
mais ou menos distanciadas entre si; servem para
dar accesso aos fluidos atmosphericos ao interior da planta.
Folhas. - São ordinariamente verdes, mas certas especies
apresentam cambiantes desde o rôxo carregado até ao amarello,
o que se attribue a certas combinações chimicas que se
formam nos seus tecidos; quando perdem a energia vital, por
effeito de velhice ou doença, descoram e cahem. As arvores
que se apresentam todo o anno revestidas de folhagem, é porque
constantemente vão produzindo folhas novas que substituem
as que morrem.
Fig. 3
18
Na folha convém distinguir o peciolo, que é formado de
fibras vasculares, onde, com o auxilio do microscopio, se distinguem
muitos canaliculos destinados a transportar a seiva, e
a lamina ou limbo que é formado d'um tecido celular frouxo
e analogo ao da medulla.
O peciolo chegando ao interior da lamina divide-se em
ramificações que formam as nervuras da folha: estas, ramificando-se
e subdividindo-se, formam uma delicada rede de canaes
onde a seiva circula; ás vezes o peciolo é acompanhado
na sua base por pequenos appendices foliares, de fórma variada,
que se chamam stipulas.
Ambas as paginas da folha, mas principalmente a inferior,
apresentam uma grande quantidade de pequenos orificios que
se chamam stomates e servem para dar livre entrada aos fluidos
atmosphericos que a planta necessita, e para dar sahida a
outros que exhala. Em todas as partes verdes existem d'estes
orificios que representam um importantissimo papel na vegetação,
e cujas importantes funcções estudaremos.
Gemmas (fig. 4), olhos e botões (fig. 5). - São os pequenos
corpos de fórma ovoide ou pyramidal que nascem na axilla
das folhas e na extremidade dos ramos.
Fig. 4
Nos climas frios a Providencia abriga-os debaixo d'um resguardo
de escama, que os reveste exteriormente, e ás vezes
cobre-os com uma roupagem de pellos ou de lanugem que os
preserva das intemperies. Nos climas tropicaes apresentam-se
quasi sempre desnudados.
19
Estes pequenos orgãos contéem no seu interior as producções
novas que hão-de desenvolver-se no anno seguinte. Cortando-se
uma gemma ao meio no sentido do seu comprimento,
observa-se no seu interior o germen d'um ramo já perfeitamente
organisado e guarnecido de folhas embryonarias que
mais tarde se hão-de desenvolver.
As gemmas nascem ao longo e na extremidade dos ramos
juntamente com as folhas, mas só no anno seguinte ao do seu
nascimento é que se desenvolvem.
Algumas vezes, quando as arvores são excessivamente vigorosas
ou quando se esfolham e se lhes cortam ramos, algumas
gemmas desenvolvem-se no mesmo anno em que nasceram,
produzindo lançamentos estereis e inuteis, que não
chegam a sazonar, e são conhecidos pelo nome de lançamentos
anticipados.
Na parte inferior dos ramos, junto á sua base, existem
quasi sempre pequeninas gemmas, ás vezes invisiveis a olho
nú, que raras vezes se desenvolvem, senão quando as gemmas
superiores são destruidas, ou quando os ramos são podados
muito curtos; a arboricultura dá-lhes o nome de gemmas
stipulares; alguns práticos chamam-lhes olhos casqueiros.
Pelos decotes ou podas muito rigorosas, e em razão de
grandes contusões, as arvores que téem certa energia vital,
podem produzir em qualquer parte dos ramos ou dos troncos
gemmas adventicias. O arboricultor tem meios artificiaes de
provocar o nascimento d'estes orgãos onde lhe convenha, como
em logar competente veremos, o que é um importantissimo
recurso para a direcção da fórma das arvores. As raizes
quando véem á superficie da terra ao contacto da luz, produzem
gemmas radicaes e desenvolvem rebentos que ás vezes
se utilisam para a multiplicação das arvores.
As gemmas podem ser simples quando se apresentam isoladas,
duplas ou triplas como ás vezes apparecem, principalmente
nos pecegueiros e ameixeiras. São lateraes quando se
apresentam ao longo dos ramos, e terminaes quando estão na
extremidade.
As gemmas separadas da arvore mãe, e postas em condições
apropriadas ao abrigo da luz, em presença da humidade
e com o auxilio d'uma temperatura conveniente, desenvolvem-se
produzindo vegetaes perfeitos e completos, eguaes
áquelles d'onde provieram.
20
Nas plantações d'estaca, e nas mergulhias, as gemmas
que ficam enterradas e ao abrigo da luz desenvolvem-se produzindo
raizes; as que ficam em presença da luz produzem
ramos.
Alguns botanicos e arboricultores classificam estes orgãos
de modo diverso, e reina grande confusão nos nomes que se
lhes dá; entendemos dever classifical-os como orgãos de reproducção
porque em condições apropriadas reproduzem o vegetal
que lhes deu o ser, e são quotidianamente utilisados
para este fim. Os francezes chamam-lhes bourgeons, yeux e
boutons indistinctamente; entre nós chamam-lhes commummente
olhos. Seguindo auctoridades respeitaveis julgamos por
melhor adoptar a genuina palavra portugueza gemma, reservando
o nome de olhos para as gemmas que começam a desenvolver-se
na primavera, e revelam já a evolução d'um ramo,
e de botões para as que accusam a evolução florifera.
Fig. 5
Na sua origem as gemmas não apresentam differenças notaveis
entre si, nem externa nem internamente, mas depois
da quéda das folhas notam-se-lhes differenças importantissimas,
a que o arboricultor deve ligar a mais alta importancia;
umas apresentam-se delgadas, pyramidaes e ponteagudas,
outras ovoides, arredondadas e grossas; quando estas feições
se podem notar e distinguir, convém, para melhor fixarmos
esta distincção, dar-lhes nomes diversos; áquellas, agudas e
delgadas, chamaremos olhos, ás que se apresentam grossas
e arredondadas chamaremos botões.
21
Ao approximar-se a primavera, mais tarde ou mais cêdo,
segundo as especies, as gemmas ramiferas já transformadas
em olhos desenvolvem-se e produzem lançamentos guarnecidos
de folhagem; as gemmas floraes transformadas em botões
desenvolvem algumas folhas e flôres.
Nos nossos climas, d'entre as plantas cultivadas apenas se
conhecem duas que apresentam a excepção de produzirem
gemmas mixtas, que produzem conjunctamente ramos e flôres:
são a videira e o framboezeiro; isto é uma anomalia que
não póde auctorisar a confusão dos orgãos ramiferos e dos
orgãos floraes, originados pelas gemmas.
É da maior necessidade que o arboricultor se habitue a
distinguir praticamente, e á primeira vista, os olhos ou gemmas
ramiferas, dos botões ou gemmas floraes; é um conhecimento
fundamental indispensavel para esclarecer a prática
das podas.
Flôr. - O botão traz já em si todas as partes da flôr em
estado embryonario.
Fig. 6
Uma flôr apresentando em
a - calice
b - corolla
Uma flôr completa apresenta orgãos de duas ordens muito
distinctas; uns, indispensaveis e essenciaes á fecundação e reproducção
da planta, outros, que servem simplesmente de resguardo
e protecção áquelles.
22
Examinando uma flôr (fig. 6) da parte externa para o interior,
vemos: 1.º O calice (a), formado de foliolos geralmente
verdes, que se chamam sepalas (a); em algumas plantas as
sepalas reunem-se n'um só corpo; diz-se então o calice monosepalo.
2.º A corolla (b), formada de folhas de côres e configuração
variadissima, chamam-se as petalas; em muitos vegetaes
tambem as petalas se reunem e soldam, formando uma
corolla monopetala. Tanto o calice como a corolla só servem
para resguardar e proteger os orgãos mais importantes e essenciaes
que se acham no centro da flôr, que são destinados
á procreação vegetal. Estes são os estames (fig. 7 a); téem a
fórma de filetes delgados, nascem da base das petalas, e apresentam
na sua extremidade superior uma capsula ou bolsa (b)
(antheras); contém um pó fino (pollen), que cahindo sobre os
orgãos genitaes femininos vai fecundar o ovario (e) que se
ha-de desenvolver em fructo.
Fig. 7
Orgãos reproductores da flôr
a - estames
b - antheras
c - stylo
d - stygma
e - ovario
Os orgãos femininos formam um conjuncto a que se dá o
nome de pistillo; é formado pelo stylo (fig. 7 c), que é uma
haste ou muitas reunidas, tendo na parte superior uma protuberancia
glandulosa e humida com pequenos orificios (stygma
d); estes orificios são as extremidades de pequenissimos
canaes que descem pelo stylo a communicar com o ovario (e)
que existe na parte inferior. O pollen cahindo sobre o stygma,
vem por estes canaliculos executar a sua acção fecundante
sobre o embryão que existe no ovario.
23
É esta a organisação das flôres na maior parte das arvores
fructiferas; os orgãos sexuaes masculinos e femininos
acham-se reunidos na mesma flôr, por isso estas se dizem
hermaphroditas.
Algumas especies apresentam na mesma planta flôres de
duas fórmas e naturezas diversas, contendo umas os orgãos
masculinos, outras os femininos; o castanheiro, o carvalho e
a nogueira estão n'este caso; os amentios, ou candeias dos
castanheiros, são as flôres masculinas, os ouriços são as femininas.
As especies que assim apresentam flôres unisexuaes,
masculinas e femininas na mesma planta, dizem-se monoicas.
Em outras especies dá-se a singularidade de que certas plantas
apresentam todas as suas fiores unisexuaes masculinas,
outras sómente femininas, de modo que a planta feminina só
poderá produzir fructo quando haja nas suas visinhanças o
masculino da sua especie, ou quando o vento ou os insectos
lhe trouxerem de longe o indispensavel pollen fecundante. As
especies que assim apresentam flôres unisexuaes em individuos
differentes, dizem-se dioicas, taes são a maior parte das
salicineas, os choupos, etc.
Fructo. - Realisada a fecundação, a flôr despe as suas galas,
as petalas murcham e cahem, os orgãos sexuaes morrem,
só o ovario continua a viver; é este orgão que mais tarde,
pelo seu desenvolvimento, fórma o fructo que logo desde a
origem contém em seu seio o germen das sementes destinadas
a perpetuar a especie.
Fig. 8
No fructo (fig. 8) ha a distinguir duas partes principaes, o
pericarpo (a) e as sementes (b); o pericarpo ainda se subdivide
em epicarpo, mesocarpo e endocarpo; estas subdivisões,
importantissimas no estudo de botanica, não téem grande importancia
para as práticas arboricolas; daremos pois o nome
de pericarpo a toda a substancia do fructo, distincta da semente;
em algumas especies é carnoso e succulento, como na
maçã, pêra, pecego, etc.; n'outras é sêcco e coriaceo, como
na castanha, noz e amendoa; tambem n'estas especies não é
o fructo propriamente que se consomme na alimentação, é a
semente.
24
Os fructos, segundo a sua especie, podem conter uma ou
muitas sementes; na mesma especie tambem o seu numero é
muito variavel: os cuidados da cultura fazem até, muitas vezes,
com que a semente chegue a desapparecer completamente,
notando-se que as variedades bravias apresentam sempre
muito maior quantidade de sementes do que as aperfeiçoadas
pela cultura.
Semente. - A semente contém já organisado o embryão
d'um novo vegetal semelhante aquelle que lhe deu o ser, dotado
de energia vital capaz de produzir os actos necessarios
ao seu desenvolvimento, quando para isto encontre circumstancias
favoraveis.
Nos fructos, a semente existe ligada ao pericarpo por um
filete delgado por onde recebe a nutrição: é o cordão umbilical
ou funiculo. Estudando a anatomia da semente (fig. 9) temos:
1.º um involucro mais ou menos consistente: é a tunica
(A); 2.º o perisperma, ou albumen (B), é uma accumulação de
substancia nutritiva que envolve o embryão; geralmente são
materias farinaceas acompanhadas por algumas substancias azotadas,
analogas á albumina do ôvo, como o gluten do cereas;
em algumas sementes o albumen encontra-se endurecido, affectando
uma apparencia cornea, como no café e em algumas
plantas oleosas; muitas plantas são desprovidas de albumen;
3.º o embryão (fig. 9 c), que pelo seu desenvolvimento vem
a formar a nova planta que já n'elle existe em estado rudimentar.
No embryão distinguem-se tres partes (fig. 10): a radicula
ou raiz rudimentar (a), a plumula (b), ou pequeno
caule, e os cotyledóneos (d).
Fig. 9
25
Fig. 10
Quando a semente é munida d'um albumen, a radicula
vai absorvendo d'elle a nutrição que precisa até que se desenvolva
e robusteça de modo que possa ir directamente procurar
a nutrição na terra; quando não tem nota-se que os
cotyledóneos são muito mais desenvolvidos e substanciosos; são
estes então os encarregados de fornecer á planta a alimentação
que precisa na tenra idade.
Orgãos elementares. - Todas as partes de que se compõe
uma planta são formadas por um conjuncto de elementos justapostos
e entrelaçados de modo a produzirem os differentes
tecidos que os seus orgãos nos apresentam.
Se sujeitarmos uma parte d'um vegetal a uma maceração
prolongada na agua quente, poderemos dissolver os principios
incrustantes que contém, ficando-nos apenas como residuo
um tecido membranoso formado de pequenos tubos alongados,
e vesiculas arredondadas ou facetadas. As partes lenhosas
são formadas essencialmente pela reunião e entrelaçamento
d'aquelles tubos alongados que formam o tecido vascular.
Nas partes tenras e herbaceas predomina o tecido celular, formado
por aquellas vesiculas ou celulas. A medulla, a substancia
verde e os fructos são quasi exclusivamente formados d'este
tecido.
26
Celulas (fig. 11). - São essas vesiculas de que o tecido celular
é composto; originariamente são de fórma espherica,
formadas por uma fina membrana, mas pela pressão que exercem
umas sobre as outras tomam fórmas polygonaes.
Fig. 11
Nas suas paredes divisam-se aberturas extremamente pequenas
que facilitam a circulação dos succos vegetaes entre
ellas. Pelo decorrer do tempo vão-se incrustando de materias
salinas conduzidas pela seiva, e nas partes herbaceas, principalmente
nos fructos, enchem-se de substancias amilaceas e
assucaradas produzidas pela combinação da agua com o carbone.
Em presença do azote e do acido phosphorico formam
tambem em si algumas substancias glutinosas, altamente nutritivas.
A acção do calor e da luz sobre as substancias contidas
n'estas celulas, vae operando no seu contheúdo varias
reacções e transformações, até nos prepararem os acidos, os
assucares, e as essencias destinadas ao regalo da humanidade.
Vasos (fig. 12). - São os delgadissimos tubos que formam
o tecido vascular; a botanica considera uma grande variedade
de vasos, assim como de celulas; para o nosso estudo essencialmente
prático dispensar-nos-hemos de entrar aqui em minuciosos
detalhes; é nos tratados especiaes de botanica que
cabe o desenvolvimento e explanação d'este curiosissimo capitulo.
Os vasos como as celulas tambem apresentam pequenissimas
aberturas que lhes facultam a communicação entre si;
emquanto são novos dão livre circulação á seiva, mas vão-se
pouco a pouco incrustando de saes até que a final se obliteram
e formam então os tecidos mais compactos da madeira.
27
Fig. 12
Vasos lacticiferos. - São canaliculos muito ramificados, que
percorrem o interior d'alguns vegetaes; principalmente na
medulla, na casca, e nas folhas, a sua natureza e o seu destino
são inteiramente distinctos dos orgãos de que acima tratamos;
aquelles formam essencialmente o tecido vascular e
fibroso, estes apparecem principalmente nos tecidos celulares;
contéem no seu interior um liquido branco e ás vezes amarellado:
é o latex; este succo é formado de pequenos globulos
esphericos que contéem no seu interior substancias diversas,
algumas das quaes téem grande valor economico.
O cautchouc, de que hoje as artes e as industrias fazem
tão largo uso, é o latex de differentes arvores, solidificado. O
opio é uma concreção do latex da papoula. São muitas e variadas
as plantas que produzem os succos a que se dá este
nome. Os botanicos ainda não estão muito esclarecidos ácerca
do papel que elles representam na economia do vegetal; o que
é certo é que o latex apresenta uma composição e qualidades
diversissimas segundo as especies vegetaes que o produzem;
o Ficus elastica, a Castilloa elastica, e muitos outros produzem
o cautchouc; algumas da familia das clusiaceas produzem a
gomma guta; o Galactodendron e o Tabernae montana utilis
produzem um latex altamente nutritivo e usado pelos habitantes
d'America como alimento. O Antiaris toxicaria produz um
veneno violentissimo com que os javanezes envenenam as suas
lanças.
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PHYSIOLOGIA VEGETAL
O estudo que fizemos no capitulo antecedente dá-nos uma
ideia geral da strutura e disposição dos differentes orgãos de
que se compõe uma planta; vamos agora observar, rapidamente,
quaes as funcções que téem a desempenhar e de que
modo cumprem o fim providencial a que são destinados.
FECUNDAÇÃO
Descrevendo os orgãos sexuaes das plantas, já indicamos
a missão a que eram destinados; observaremos agora como
ella se executa.
Quando a flôr está completamente desenvolvida, o stygma
(fig. 7 d) apresenta-se coberto d'um liquido viscoso, como se
póde observar a olho nú em muitas flôres, notavelmente no
lyrio e nas tulipas; as antheras (fig. 7 b) abrem-se, o pollen
cahindo sobre o stygma humido adhere a elle, embebe-se
d'aquella humidade, dilata-se, emittindo de si uns filetes delgadissimos
que se insinuam pelos orificios do stygma, alongam-se
e descem pelo interior do stylo (fig. 7 c) até penetrarem
no ovario (fig. 7 e); este filete produzido pelos grãos
do pollen chama-se tubo polynico.
O tempo preciso para que o tubo polynico possa penetrar
da superficie do stygma até ao ovario é muito variavel segundo
a especie, e até na mesma especie de planta póde ir
desde duas horas até quatro dias.
O calor e serenidade da atmosphera favorecem muito este
importantissimo acto; se por este tempo sobrevéem chuvas,
tempestades, ventanias e nevoeiros, toda a fructificação póde
ser gravemente compromettida; será até impossivel se aquelle
acto não podér realisar-se.
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Em alguns pontos de Portugal onde são frequentes os nevoeiros
na primavera, as arvores fructiferas soffrem muito com
este contratempo, especialmente os olivedos perdem, por esta
causa, toda a esperança de fructificação, ás vezes no espaço
d'uma manhã.
GERMINAÇÃO
Para que uma semente germine, é indispensavel que contenha
o embryão em perfeito estado, e que encontre um certo
numero de condições que são indispensaveis á evolução da
vida vegetativa.
Precisa encontrar humidade, ar e calor.
A agua penetrando no interior da semente amollece os seus
tecidos, fal-os augmentar de volume, despedaça o involucro
externo ou tunica, dissolve os principios nutritivos contidos
no albumen ou nos cotyledones, que são necessarios ao alimento
do embryão.
Necessita da presença do ar atmospherico.
Sem a presença do oxygenio todos os phenomenos da vida
organica seriam impossiveis. É o oxygenio atmospherico que
desperta a actividade vital do embryão, é ainda o oxygenio
que opéra sobre a substancia azotada do albumen uma certa
acção chimica de modo a transformal-a n'um fermento, que
reagindo sobre as substancias amilaceas e outros principios
insoluveis contidos na semente os solubilisa e torna aptos a
servir ao fim a que são destinados.
É claro pois que quando as sementes forem enterradas
profundamente onde lhes não possa chegar a acção do ar, a
sua germinação é impossivel.
O calor é tambem um dos agentes indispensaveis da vegetação;
mas o seu effeito util é circumscripto entre certos
limites mais ou menos afastados, segundo as especies. A experiencia
tem demonstrado que a temperatura mais conveniente
á generalidade das sementes proprias dos nossos climas,
varía entre 7 e 20 graus centigrados; os limites extremos
são 0 e 40 graus.
Algumas sementes conservam por largo tempo a faculdade
de germinarem; os cereas e o feijão estão n'este caso; outras
perdem esta faculdade rapidamente; para estas é indispensavel
tomarem-se precauções, quando haja necessidade de transportal-as
ou guardal-as por algum tempo. O que convem fazer
n'este caso é extractifical-as em camadas delgadas com terra
finamente pulverisada, como mais adiante veremos.
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Collocada a semente em condições idoneas, o calor e o
oxygenio do ar despertam a lethargia do embryão; o oxygenio
em presença da humidade vai preparando o alimento contido
no albumen ou nos cotyledones para o seu primeiro sustento.
A tunica rompe-se, a radicula começa a desenvolver-se, procurando
logo implantar-se na terra (fig. 10 a); a plumula, até
então alojada entre os cotyledones, afasta-os para os lados, vai
sahindo em busca do ar atmospherico, tomando a posição vertical
(fig. 10 b); os cotyledones, presos ainda ao collo da raiz,
continuam a fornecer á nova planta o alimento que téem em
si, até que as folhas possam haurir da atmosphera os gazes
nutritivos necessarios, e que as raizes possam tambem procurar
na terra o alimento preciso; então os cotyledones, já desnecessarios,
murcham e morrem; em algumas especies transformam-se
em verdadeiras folhas que tomam a côr verde e
acompanham por algum tempo a existencia das plantas que
nutriram na primeira infancia.
As sementes podem germinar em qualquer parte, quando
se dêem as condições acima indicadas, mas para o bom desenvolvimento
das plantas usualmente cultivadas, a terra é um
auxiliar essencial e indispensavel.
A terra absorve a agua, que em grande quantidade poderia
prejudicar as sementes, para depois lh'a ir fornecendo á
medida das suas necessidades.
A acção da luz prejudica notavelmente as funcções germinativas
da semente; é ainda a terra que, como abrigo protector,
obsta a sua acção malefica; além d'isto é na terra que
as pequeninas raizes vão logo procurar os liquidos nutritivos
que precisam; é preciso pois que alli os encontrem convenientemente
preparados.
NUTRIÇÃO
A analyse chimica demonstra-nos que os differentes tecidos,
orgãos e productos vegetaes são formados principalmente