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996
997
998
999
1000
GUIA E MANUAL
DO
CULTIVADOR
OU
ELEMENTOS DE AGRICULTURA
PELO DOUTOR
JOSE MARIA GRANDE
LENTE DE BOTANICA E AGRICULTURA NA ESCOLA
POLYTECHNICA E MEMBRO DE VARIAS SOCIEDADES
LITTERARIAS E SCIENTIFICAS TANTO
NACIONAES COMO ESTRANGEIRAS.
TOMO II.
LISBOA.
NA TYPOG. DE GALHARDO IRMÃOS,
Rua da Procissão n.º 45.
1849
Ut operaretur
terram
A Sociedade Promotora
da Agricultura Michaelense
ao Doutor
José Maria Grande
Tendo a Sociedade Promotora da Agricultura Michaelense
premiado com uma medalha de ouro o primeiro
volume do GUIA E MANUAL DO CULTIVADOR com
o fim de promover a publicação de outras obras populares
de agricultura, entendeu o auctor deste humilde
trabalho que devia dar conhecimento ao publico
do patriotico procedimento de tão distincta Sociedade,
exarando ao mesmo tempo e neste logar a expressão
do seu agradecimento pela honrosa distincção
com que fora favorecido.
CAPITULO VIII.
HORTICULTURA.
Noções preliminares.
Que dita a do cultor que ao lar se aquece
Junto dos filhos e da esposa ao lado,
Que depende de Deus - pouco dos homens;
Que amanha o campo de seus paes herdado.
O AUCTOR.
1006. É a horticultura aquella parte da sciencia
agricola, que nos ensina a cultivar nas hortas os legumes,
hortaliças, e outras plantas herbaceas, que
por seus fructos, raizes, caules, flores, e ramas podem
ser utilisados, quer na alimentação do homem,
ou dos animaes, que elle tem reduzido á domesticidade,
quer em outros usos economicos ou artisticos.
1007. São muitas e mui variadas as plantas, que
se cultivam nas hortas, o que torna muito vasta e
difficil a arte do hortelão: esta arte não só demanda
incessantes cuidados, e uma incansavel diligencia, senão
tambem muitos conhecimentos praticos, que só
podem adquirir-se na applicação dos processos, que
lhe são peculiares, no estudo agrologico das terras,
na meditação dos usos e tradicções locaes, e na observação
attenta dos factos agronomicos.
1008. A maior parte dos nossos melhores legumes
e hortaliças provem de plantas selvagens que se
teem modificado e melhorado pela cultura. Introduzidas
nas hortas, estas plantas foram soffrendo modificações
semelhantes ás que experimentam os animaes
pela acção transformadora da domesticidade: as muitas
variedades que as plantas em cultura apresentam
são outras tantas phases que manifestam aquella gradual
transformação.
4
1009. O hortelão contrariando as tendencias, e
transformando os habitos e a organisação das plantas
que cultiva, carece de empregar mais meios agronomicos
do que o agricultor para attingir o seu fim. Este
marcha a par com a natureza, auxilia-a; e é por ella
auxiliado; imita os seus processos, obedece ás suas
indicações, e no grangeio do seu campo não faz mais
do que reunir condições naturaes que promovam o regular
desenvolvimento dos vegetaes, que cultiva -
aquelle no amanho da sua horta multiplica os processos
agricolas para forçar, em alguns casos para
retardar, e a maior parte das vezes para accelerar a
marcha da vegetação - reprime ou provoca a acção
do clima; faz desenvolver uns orgãos á custa de outros,
modifica profundamente as raças vegetaes, cria
novas variedades, e destroe o typo primitivo das especies,
domesticando as plantas e transformando os
seus costumes, e propriedades de uma maneira admiravel.
1010. É claro por tanto que para alcançar estes
resultados, e para obter productos resultantes de uma
vegetação puramente artificial, e apropriados á satisfação
das nossas necessidades e gostos, percisa o hortelão
de adoptar methodos e processos, com que muitas
vezes contrarie e dome a natureza; dirigindo, e encaminhando
as leis da producção vegetal ao seu especial
proposito. Assim os productos que elle se propõe
conseguir, e que effectivamente consegue, tem um
desenvolvimento, um sabor, e um mimo muito além
do natural: os fructos são mais volumosos, mais suculentos,
e mais sacarinos; as raizes mais mucilaginosas
e feculentas; tem mais assucar, menos lenho e
mais polpa carnosa; e as ramas, além de terem a
maior parte destas qualidades, são mais azotadas,
mais albuminosas, mais tenras, e mais nutrientes.
5
1011. O hortelão não póde exercer a sua arte
em tão grande escala como o lavrador; não só porque
a horticultura demanda incessantes e variadissimos
cuidados, quasi sempre incompativeis com as grandes
culturas; senão tambem porque são menos frequentes
e mais limitados os terrenos que a ella se podem
dedicar, de além disto muito grande, e ás vezes superior
aos recursos locaes, o emprego de braços e de
estrumes que ella reclama. É por isso que só onde a
população se acha mui condensada se encontram vastas
e numerosas culturas desta natureza, se o solo e o
clima lhes não obstam.
1012. As aguas e os estrumes são o principal
nervo da horticultura; e lá onde faltar algum destes
poderosos agentes deve perder-se toda a esperança de
bom e afortunado successo. O chão das hortas anda,
ou deve andar, n'uma rotação continua; e o bom hortelão
não o deixa em descanço em estação alguma de
anno. Conhece-se pois que a sua energia productiva
promptamente se estancaria, uma vez que não fosse
reforçada pelo emprego dos estrumes, e economisada
pelo dos afolhamentos. Regar, estrumar, e alternar
são pois os tres grandes recursos da horticultura.
6
1013. Está por desgraça muito pouco generalisada
a cultura das hortas no nosso paiz e particularmente
nas nossas provincias do Sul, concorrendo para
isto a escassez das aguas e dos estrumes, a falta de
população, e mais que tudo a indolencia quasi invencivel
de uma grande parte dos nossos camponezes,
assim como o pouco conhecimento, que tem da bella
arte da horticultura. É para lastimar esta falta de
curiosidade ou de instrucção e esse espirito de rotina,
que priva as nossas populações ruraes dos mimos e
dos encantos desta cultura - que as condemna a não
verem em torno dos seus casaes, durante alguns mezes
do anno, nem se quer uma folha verde, e a não
saborearem quasi nunca as verduras e os fructos, que
deveriam fazer a variedade, o regallo, ás vezes mesmo
a fartura da sua mesa.
1014. Apesar de que a escassez das aguas seja
muito sensivel em alguns pontos da Estremadura e
Alemtejo, ha todavia muitos em que ellas abundam,
e andam todavia desaproveitadas. Raras vezes se percorre
alguma vasta propriedade das muitas situadas
nestas provincias, que se não deparem terrenos muito
proprios para estas culturas; e se em todos aquelles
que ficam além do Tejo, onde brotasse uma fonte,
se conseguisse levantar um casal, esta provincia seria
a mais populosa e rica do reino - não são por tanto
as condições naturaes do solo as que em muitas localidades,
e sempre fallecem, são antes, e por desgraça
em muitos casos, a boa vontade, a laboriosidade,
e a perseverança dos habitantes do campo: sem fallarmos
agora de outros obstaculos legaes, que retardam o
desenvolvimento da nossa industria agricola. Nós, que
temos percorrido quasi toda a provincia do Alemtejo,
e que temos recolhido bastantes informações para conhecer
a fundo as condições peculiares das suas populações
ruraes, temos visto com espanto e com magoa
os incalculaveis recursos, que os habitantes do
campo deixam perder em torno de si. - E todavia ha
no paiz (e é força confessal-o) um grande movimento
agricola, tem-se ultimamente desenvolvido nos suburbios
das nossas villas e cidades um progressivo gosto
pela horticultura, mas este gosto circumscripto nestas
localidades não se tem por ora propagado ás populaçães
ruraes! - E é pena que assim aconteça -
porque a horta além de ser o entretenimento, o desafogo,
e o conforto das familias do humilde agricultor
é ao mesmo tempo um arsenal de variadas subsistencias,
e de delicadas e sadias iguarias, e um campo
de pequenos ensaios e de uteis experiencias, destinado
a revelar muitas verdades agronomicas proprias
a esclarecer o entendimento dos agricultores e a espalhar
uma grande civilisação agricola. - Por feliz
me dera eu se estas minhas desinteressadas reflexões
podessem contribuir a fazer brotar entre os nossos
camponezes o gosto da horticultura, e com elle uma
fonte perenne de commodidades e prazeres domesticos!
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OPERAÇÕES GERAES DE CULTURA.
Escolha do terreno.
1015. O chão, em que quizermos estabelecer uma
horta, convem que seja solto, fundavel, e humoso.
Já sabemos que os materiaes inorganicos, que entram
em largas proporções na composição dos solos são as
areias e as argilas: e que os terrenos quasi exclusivamente
formados de umas, ou de outras destas substancias
são muito improprios á vegetação: porque ou
se apresentam tão moveis, tão inconsistentes, e tão
permeaveis ás aguas pluviaes, que não prestam ás plantas
nem o necessario apoio, nem a necessaria humidade,
ou pelo contrario se apresentam tão tenazes,
tão plasticos, e tão humidos que não lhes consentem
um livre e franco desenvolvimento radicular. Estes inconvenientes,
communs a todas as culturas, deixam-se
especialmente sentir nas culturas horticolas sempre
mais delicadas do que todas as outras. As terras
francas ou normaes, sendo as que estão mais distantes
daquelles dois extremos, são tambem as mais proprias
para este genero de cultura. Convem porém que
nestas terras prepondere um pouco o principio humoso,
como aquelle que ministra aos legumes e ás hortaliças
as principaes substancias organicas, que entram
na sua composição. É geralmente nos valles e nas
planicies cercadas de montanhas, nas varzeas e nas
beiras dos rios e das ribeiras, que encontramos os
melhores terrenos para o estabelecimento das hortas.
Quasi sempre os elementos, que entram na composição
destes terrenos se associam de modo, que se corrigem
reciprocamente, dando em resultado um solo
sufficientemente substancioso e permeavel ao ar e aos
liquidos, mas susceptivel com tudo de conservar estes
ultimos, durante um tempo consideravel, e de não
endurecer pela secura a ponto de lacerar e encarcerar
as raizes das plantas, o que as condemna a uma
infallivel inanição.
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1016. Mas como infelizmente nem sempre temos
á nossa disposição um tão bom terreno, e antes pelo
contrario, muitas vezes se nos apresentam outros que,
ou peccam por excesso de areia, quer siliciosa quer
calcarea, ou por excesso de argila, é então indispensavel
tentar a necessaria correcção, addicionando o
principio elementar que lhes falta. Se o solo for pois
unicamente areoso juntar-lhe-hemos a argila, até que
adquira a conveniente consistencia; se for argiloso a
area mais fina que podermos encontrar, até lhe communicar
a precisa divisibilidade. Estes correctivos estão
ás vezes tão proximos que o seu emprego não se
torna nem difficil, nem dispendioso. Não poucas vezes
convirá empregar o marne ou a cal como agentes poderosos
de uma excellente correcção.
1017. Sendo as regas uma das condições indispensaveis
da cultura horticola, por isso que durante
uma boa parte do anno é sem ellas impossivel a manutenção
das plantas herbaceas nos paizes meridionaes,
convem que só estabeleçamos aquella cultura nos terrenos
onde abundarem as aguas necessarias para as
suas irrigações. A existencia das aguas, ou dentro,
ou nas proximidade das hortas é objecto da mais alta
importancia, principalmente nos paizes, que como o
nosso são sujeitos durante os calores do estio, a uma
intensa evaporação.
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1018. Os terrenos destinados ás hortas devem ter
uma muito ligeira inclinação, para que as irrigações
se possam fazer com inteira facilidade. As grandes
inclinações são sempre prejudiciaes, e quando existem
é mister dividir o terreno em escalões ou socalcos sustentados
por muros em planos successivamente inferiores.
Quando os terrenos não teem inclinação alguma,
isto é, quando são horisontaes, então é necessario
dar um pequeno declive aos taboleiros e canteiros,
para que as regas se façam convenientemente.
1019. Como as hortaliças e legumes cultivados
nas hortas estão muito sugeitos a roubos e outras
malfeitorias é necessario que estas propriedades ruraes
sejam cerradas ou por meio de muros, ou de sebes:
aquelles podem ser de pedra ou de taipa, estas
podem ser formadas de plantas vivas, ou de ramos
seccos e pallissadas, acompanhadas de fossos, ou vallados,
onde as chuvas vão depositar uma grande copia
de saes e detritos organicos, que depois se aproveitam.
Estes tapumes além de formarem meios de defeza,
formam tambem abrigos, que concorrem para
a melhor vegetação e cultivo das plantas. As sebes
vivas podem ser formadas por um grande numero de
plantas, como são as romeiras, macieiras, pereiras,
espinheiros, e principalmente os de Virginia, pilriteiros,
abrunheiros, marmeleiros, acacias, luzernas arboreas,
amoreiras, piteiras, carvalhos, olmeiros, pinheiros,
videiras, rozeiras bravas, grozelheiras espinhosas,
figueiras da India, e loureiros. As acacias
bastardas, as romeiras, os carvalhos de mistura com
as videiras, as figueiras da India, a luzerna arborea,
as piteiras, e os loureiros parecem-nos preferiveis não
só pela natureza do tapume como tambem pela riqueza
dos productos, que nos fornecem.
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Exposição e abrigos.
1020. A melhor exposição para as hortas é a do
meio dia, porque é aquella que mais accelera o crescimento
da maior parte das hortaliças. O calor e a
humidade são as duas condições meteorologicas, que
maior influencia exercem sobre a vegetação das plantas
herbaceas horticolas; e então os terrenos expostos
ao meio dia, uma vez que possam ser abundantemente
regados, devem ser preferidos a outros quaesquer
- a experiencia confirma todos os dias esta inducção
theorica.
1021. Depois da exposição meridional ainda é
considerada como bastante vantajosa a do nascente,
posto que tenha o inconveniente de ser muito açoitada
do vento leste e nordeste, que são, como se sabe,
dois dos mais terriveis flagellos da nossa vegetação.
A exposição ao norte é de todas a peior, principalmente
nas estações frias do anno, e nos sitios
altos e pouco abrigados do reino.
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1022. As exposições são muito modificadas pelos
abrigos, e a vegetação das hortas, naturalmente delicada
e mimosa, inda tira delles mais proveito do
que das proprias exposições. A exposição oriental, de
que ha pouco fallámos, é consideravelmente melhorada
pelos abrigos, que a defendem dos ventos do levante.
Em todo o caso é muito conveniente defender
as hortas da acção dos ventos noroeste, norte e leste,
que açoitam e queimam as hortaliças com uma
violencia e rapidez pasmosa.
1023. Entre os meios de abrigar as plantas hortenses
dos ventos e vicissitudes atmosphericas devemos
aqui mencionar os guarda ventos que são formados por
filas de estacas bem fortes, cravadas a distancias
convenientes na terra, e que a sobre-excedem obra de
vara e meia a duas varas; a estas estacas pregam-se
horisontalmente tres ou mais ordens de ripas em
ordem, a formar uma especie de engradamento; o
qual é finalmente guarnecido de colmo ou canas, que
se prendem ás ripas com fios de arame. São porém
preferiveis a estes guarda ventos aquelles que são formados
por canaviaes, que se dispõem em fileiras, segundo
o pede a necessidade.
1024. As redomas e as vidraças são tambem
meios, de que algumas vezes se serve o horticultor
para defender varias plantinhas mais mimosas, ou
alguns alfobres que difficilmente resistiriam ao rigor
da estação. Posto que estes abrigos sejam menos necessarios
no nosso paiz do que nos paizes mais septentrionaes,
conviria com tudo que fossem mais conhecidos
dos nossos hortelões, e empregados em algumas
circumstancias excepcionaes. O uso dos esteirões
para cobrir e perservar certas plantas, quer
herbaceas, quer sob-lenhosas da acção das geadas, e
mesmo dos ventos frios, é geralmente adoptado no
nosso paiz, por todos os hortelões diligentes e cuidadosos,
que não querem perder n'uma noite os trabalhos
de muitos dias.
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Preparação do solo.
1025. Quando quizermos converter em horta um
terreno qualquer devemos surriballo com o enxadão
ou alvião até á profundidade de um pé e meio a dois
pés. Esta surriba que póde ser precedida de um bom
lavor de charrua deve ser tanto mais profunda quanto
mais embaraçado se achar o solo de pedras ou de
raizes. É nesta occasição que devemos traçar as ruas
que hão-de dividir a horta em espaços mais ou menos
eguaes e regulares. Esta divisão, além de outras
vantagens tem a de facilitar o systema de rotação e
producção successiva adoptado nas hortas, de modo
que as culturas diversas vão-se estabelecendo a favor
della periodica e regularmente nos diversos taboleiros.
1026. As ruas são necessarias para o grangeio e
fabrico da horta, e fornecem o meio de a percorrer
sem destruir os seus productos ou damnificar os seus
amanhos. Quando surribarmos devemos deixar intactas
as faxas de terreno que devem formar as ruas; mas
logo que a surriba estiver concluida devemos raspal-as
profundamente, lançando sobre ellas alguma area ou
caliça para as tornar facilmente praticaveis em todas
as epocas do anno. As ruas não devem ter senão a
largura indispensavel, isto é, tres pés as principaes,
e dois as transversaes.
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1027. Supponha-se que tinhamos de surribar um
taboleiro qualquer, começariamos por fazer abrir o
primeiro rego com a profundidade indicada, e com a
largura de 4 a 5 pés, e como fosse aberto a terra
que delle extrahissemos seria transportada em carros
de mão para a extremidade do mesmo taboleiro
- abririamos então o segundo e a terra delle extrahida
viria encher o espaço do primeiro; e assim por diante
até chegarmos ao ultimo, que encheriamos com a terra
do primeiro.
1028. Se a horta porém já se achar estabelecida
basta que a comecemos a cavar nas primeiras aguas
do outomno, e isto sem prejuizo do fabrico, que deve
receber em outras epocas do anno, conforme as
culturas, a que a destinarmos. A cava deve porém ser
profunda de um pé, empregando para este effeito fortes
e compridas enchadas. A profundidade do lavor é
aqui indispensavel, porque a belleza e o vigor dos
legumes e das hortaliças dependem principalmente desta
circumstancia.
1029. Depois deste primeiro fabrico, quasi geral
por toda a extenção da horta, vam-se successiva e
opportunamente amanhando os diversos taboleiros e
canteiros por maneira que o terreno não só fique
perfeitamente dividido e sufficientemente adubado, senão
tambem disposto de modo que a agoa possa chegar a
todos os pontos, por meio de um systema de regos
que deve variar segundo as circumstancias accidentaes,
do terreno, e as particulares exigencias das diversas
culturas. O que nunca se deve esquecer neste fabrico
das hortas é que a divisão, e completo esterroamento
do solo é uma das condições mais importantes, tanto
para assegurar a germinação das sementes, como para
procurar a todas as plantas hortenses uma vegetação
vigorosa e rica.
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1030. Como o chão das hortas está sempre nos
paizes meridionaes em continua actividade as suas forças
productivas rapidamente se esgotariam, se as não
reparassemos por meio de repetidos estrumes, que são,
como já dissemos, o principal nervo da horticultura,
e a materia prima que as plantas elaboram e convertem
nos seus proprios tecidos.
1031. Na applicação, porém destes adubos convem
seguir algumas regras que a experiencia tem
sanccionado. Convem em primeiro logar que os estrumes
que houvermos de empregar sejam bem curtidos,
e antes vegeto-animaes do que animaes; estes
se por acaso se empregam no principio da sua
fermentação communicam á maior parte das hortaliças
um cheiro repugnante. Cumpre em segundo logar que
os taboleiros que acabarem de receber estes adubos
sejam de preferencia destinados á cultura das couves,
plantas muito ávidas de substancias organicas e azotadas;
e que fazem destas substancias um extraordinario
consummo. É além disto muito conveniente que
as cenouras, os feijões, e as cebolas sejam plantadas
nos taboleiros, que tiverem sido abundantemente estercados
no anno antecedente, e que as ervilhas e alguns
cereaes occupem estes mesmos taboleiros no anno
seguinte, podendo deixar ainda de ser adubados se o
terreno for pingue e humoso. E importa finalmente
que o emprego mais ou menos copioso e frequente dos
estrumes esteja sempre em relação com a natureza
do terreno - porque se este for silicioso ou nimiamente
solto é mister empregal-os com frequencia e
em abundancia, mas se pelo contrario for pingue e
substancial convem então empregal-os com mais parcimonia.
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16
1032. Existem meios de communicar ao terreno
um calor artificial, que sendo mui geralmente adoptados
nos paizes septentrionaes, não o são tanto no
nosso, que goza de uma temperatura mais egual e
elevada. Estes meios promovem poderosamente o
desenvolvimento de certas plantas, principalmente exoticas,
antecipam a sua fructificação, e fazem muitas
vezes apparecel-a em estações diversas daquellas em
que espontanea e naturalmente apparecem.
1033. Quando queremos obter nas hortas estes
resultados semeamos sobre encosta e sobre cama.
1034. A encosta póde ser natural ou artificial -
a natural verifica-se quando o terreno abrigado dos
ventos frios apresenta uma forte inclinação com o horisonte
e se acha exposto ao meio dia, de modo que
vem a receber os raios do sol em cheio e quasi verticalmente
- a artificial é quando em sitio apropriado
imitamos esta disposição natural, dando ao terreno
o declive e a exposição indicada.
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1035. Visto que nas encostas os raios do sol actuam
com mais duração e intensidade, segue-se que
as plantas nellas cultivadas hão-de preceder as suas
semelhantes no seu desenvolvimento; acontecendo o mesmo
que acontece nos diversos sitios e climas botanicos,
em que a vegetação se antecipa tanto mais,
quanto mais elevada se mostra a temperatura.
1036. As camas são pequenas camadas ou stractificações
de estrumes animaes, não curtidos, que se cobrem
de terra ou terriço, e que em virtude da fermentação,
em que entram, communicam ao leito de terra
vegetal, que os reveste superiormente um gráo mais
ou menos elevado de calor que favorece a vegetação
nas estações e paizes frios.
1037. As camas são cobertas ou descobertas; nas
primeiras são as camadas interradas no solo, e nas
segundas são feitas á sua superficie. As camas tambem
se resguardam superiormente com vidraças, a fim
de tornar a sua temperatura mais elevada e constante.
1038. Como a fermentação das camas vai pouco
e pouco afrouxando, e com ella afrouxa egualmente
a temperatura, costumam os hortelões remediar este
inconveniente por meio dos rescaldos, que são
pequenas camadas de novo estrume, que se applicam
perpendicularmente ás paredes lateraes das camas. Deste
modo conseguem protrahir o effeito das mesmas camas
por todo o tempo necessario ao desenvolvimento
e vegetação das plantas.
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1039. A concisão obrigada com que tratamos as
doutrinas que fazem objecto deste Manual nos impõe
a necessidade de omittir muitas cousas uteis, e nos
força a deixar de fallar nesta occasião do emprego
do calor artificial na horticultura, produzido nos
hybernaculos ou nas estufas, por intervenção do termosiphão,
do ar quente, dos fogões, &c.
1040. Depois de muito bem fabricado e preparado
o solo com aquelles lavores, que forem necessarios
para obter uma completa divisão, é distribuido
em espaços regulares, a que damos o nome de taboleiros
ou de talhões - estes espaços ficam separados
uns dos outros, pelas ruas que atraz indicamos, e são
quasi sempre subdivididos em canteiros, onde se
estabelecem ou as sementeiras, ou as plantações conforme
as culturas a que queremos submetel-os. Em alguns
casos são os taboleiros immediatamente enregados,
ficando os regos parallelos e próximos uns aos
outros. Quando os taboleiros se formam é necessario
dispôl-os de modo que a agoa possa chegar ou por infiltração,
ou por innundação a todos os pontos.
1041. A profundidade dos lavores é subordinada
á natureza da terra e á das plantas que queremos
cultivar. Nas terras ligeiras e pouco profundas basta
que as cavas tenham um palmo; nas fortes e fundaveis
carecem de um e meio a dois - ás primeiras
podemos confiar as plantas de raizes curtas e fibrosas,
ás segundas as de raizes perpendiculares e afusadas.
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1042. Estes lavores devem ser rigorosamente executados.
As suas vantagens são reconhecidas desde remota
antiguidade. Nós temos agora sobre a nossa
mesa de trabalho um livro de agricultura, tão antigo
como raro, composto por um agronomo Arabe, Abu
Zacaria, que antes de tractar dos legumes cultivados
nas Andaluzias se exprime assim «Quando os lavores
se repetem frequentes vezes augmenta-se o calor dos
terrenos; exterminam-se as más hervas; abranda-se
a dureza do solo; dilatam-se os seus póros; exhalam-se
os vapores fetidos; mistura-se a sua parte superior
com a inferior; facilita-se o accesso não só aos raios
do sol que esmiuçam e aquecem a terra, mas ás chuvas
que são por ella retidas; e a prosperidade apparece
(mediante o favor de Deus) em tudo o que se
semea: de modo que os lavores são o equivalente do
melhor e do mais bem curtido esterco». Do que acaba
de lêr-se se infere quão entendidos eram os Arabes
nos processos e nas theorias agronomicas.
1043. Quando tivermos terrenos a estrumar devemos
espalhar o esterco com egualdade sobre o chão
da horta, e il-o depois enterrando á proporção que a
cava se vai operando; não convem porém que fique
enterrado a maior profundidade do que a de tres
pollegadas, porque de contrario não poderia ser absorvido
e assimilado pelas raizes da maior parte das plantas,
que muitas vezes não as apresentam mais profundas.
1044. Devemos sempre separar na horta um pequeno
espaço da melhor terra para a collocação dos
alfobres: estes devem ser fabricados com o maior
esmero, a fim de que as sementes possam encontrar
nelles todas as circumstancias necessarias ao seu
completo desenvolvimento. É nos alfobres que começa a
fortuna do hortelão, porque é alli que as plantas começam
de adquirir aquelle gráo de robustez e de vitalidade
que as faz assenhorear do terreno logo que
são transplantadas para os taboleiros, onde devem
fructificar.
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Sementeiras e plantações.
1045. O que dissemos das sementeiras com relação
á cultura campestre póde agora applicar-se em
grande parte á cultura que nos occupa. O hortelão
semeia quasi sempre no alfobre, para depois transplantar
para os taboleiros; o lavrador pelo contrario
semeia logo a valer ou para ficar, e raras vezes transplanta:
este semeia quasi sempre a lanço, aquelle semeia
quasi sempre em linha; o primeiro confia mais
na natureza e quasi tudo espera della; o segundo serve-se
mais da arte, e é a ella que principalmente se
soccorre.
1046. Segundo a semente fôr mais ou menos fina
assim devemos semear mais ou menos fundo, e
segundo a terra fôr mais ou menos pingue, assim
devemos semear mais ou menos basto. Tambem devemos
semear nas terras areentas e magras mais cedo
do que nas fortes, e mais tarde nas exposições frias
e combatidas dos ventos do que nos sitios abrigados
e calidos. Quando as hortas andarem copiosamente
estrumadas póde a sementeira ser mais serodia, por
que nem por isso deixarão os fructos de vir no tempo
proprio, e de virem mesmo mais temporões, se a
exposição fôr quente e abrigada.
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1047. Para semearmos os taboleiros em linhas
deveremos primeiro traça-las por meio de um cordel
passado pelo cré, o qual puchando-se pelas pontas,
e levantando-se com a mão, se solta depois e vai
deixar na terra um risco branco - fazem-se depois
como este, a distancias convenientes, tantos quantas
forem as fileiras de que a sementeira ha-de constar.
1048. Deve-se escolher para a plantação um tempo
descoberto e sereno - se tiver chovido no dia
antecedente, ou se o vento annunciar chuva proxima,
a occasião é então muito propicia e deverá immediatamente
aproveitar-se.
1049. A planta que tirarmos do alfobre, para
ser disposta nos canteiros, deve arrancar-se com muito
geito, levantando-se devagarinho com algum instrumento
acommodado. A' proporção que se for dispondo
assim se deve ir arrancando, porque bastam
poucas horas para ella se sentir e perder.
1050. Quando aconteça vir de longe, ou de fóra,
dever-se-ha conservar humedecida e preservada
do sol, da luz e do vento, e plantar-se-ha incessantemente
sem perda alguma de tempo.
1051. A plantação é um processo muito simples.
Depois de traçadas as linhas a cordel, vão-se com o
plantador, que é uma pequena estaca de páu,
adelgaçada inferiormente em forma de fuso, fazendo na
terra ligeiramente humedecida fileiras de boracos ou
covinhas convenientemente espaçadas. Nestes boracos,
cuja fundura deve ser proporcional ao cumprimento
das raizes, vão-se estas introduzindo até ao collo, e
vai-se depois unindo e apertando a terra contra ellas.
Plantado que seja o taboleiro, ou mesmo antes de
concluida a sua plantação, se o sol estiver descoberto,
rega-se abundantemente para assegurar o bom
resultado do processo.
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Lavores de entretenimento.
1052. Os lavores que tem logar durante a vegetação
das plantas hortenses são as sachas, as mondas,
e as arrendas.
1053. As sachas tem por fim destruir as hervas
estranhas e nocivas á cultura, romper a adherencia
do solo para dar ao ar e aos mais agentes meteorologicos
um livre accesso até ao seu interior. A vegetação
vigorosa e accelerada das plantas hortenses, e as
culturas successivas muitas vezes depauperantes, a que
submettemos o chão das hortas, torna este lavor
indispensavel não só para augmentar com a presença
do ar em torno das radiculas a massa das substancias
alimentares, accelerando por este modo os periodos
da vegetação, mas mesmo para restaurar as
forças productivas do solo, que seriam seriamente
affectadas sem estes meios reparadores. O horticultor
deve sempre recordar, que as plantas que elle cultiva
são ávidas de substancias organicas, e que estas
substancias são-lhe subministradas talvez por egual,
tanto pelos adubos como pelo ar. As epocas e o numero
das sachas não se podem determinar n'um livro,
tanta é a sua variedade, já por effeito dos climas e
das circumstancias do anno, já em consequencia da
diversidade das culturas: mas póde asseverar-se como
preceito fundamental que poucas vezes são demais.
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1054. As mondas são lavores auxiliares das sachas
destinadas a produzir quasi os mesmos effeitos,
posto que sejam especialmente dirigidas a limpar o
campo das hervas ruins, cuja concurrencia é sempre
prejudicial, e muitas vezes fatal ás plantas em cultura.
Os hortelões não podem nem devem evadir-se
a esta custosa operação, porque as regas abundantes,
necessarias á prosperidade das hortas, fazem por toda
a parte pullular plantas indigenas e rivaes, que
disputam soffregamente as subsistencias ás plantas de
adopção confiadas ao terreno.
1055. As arrendas, que consistem no amontoamento
de terra em torno do tallo e do collo da raiz
das plantas, tem por fim agazalhar estes orgãos contra
as vicissitudes atmosphericas, e promover o maior
desenvolvimento e ramificação das radiculas. Estes
amanhos são sempre uteis, mas muito principalmente
áquellas plantas, que tem a propriedade de lançar
raizes aereas, ou quaesquer outras nascendo do collo
da raiz.
Regas.
1056. No nosso paiz e em todos os paizes meridionaes
da Europa fôra impraticavel a creação e o entretenimento
de uma horta qualquer sem a agoa necessaria
para as suas regas. Ha, pelo menos, quatro
mezes no anno em que as culturas hortenses se tornam
inexequiveis se a secura extrema do solo não fôr
artificialmente corregida. A agoa é o chilo da terra,
e as irrigações quer naturaes, quer artificiaes são a
vida dos campos principalmente durante o estio; e
sem ellas não podemos ter nesta estação nem hortaliças,
nem legumes, nem arvores de fructo, nem prados
artificiaes, de cuja falta tanto se ressente a nossa
agricultura.
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1057. E na verdade de todos os melhoramentos
de que podemos lançar mão para augmentar, de uma
maneira duravel, o producto do solo, não ha certamente
nenhum tão importante como são as irrigações.
E apezar disso a sua prática não é nem assás conhecida,
nem sufficientemente generalisada entre nós.
Quando percorremos o nosso paiz encontramos a cada
passo terrenos situados ao longo das ribeiras, e proximos
a regatos caudalosos, ou enriquecidos por mananciaes
e fontes perennes, que podendo ser regados
quasi sem despeza alguma, deixam de desfructar este
beneficio pela incuria e desleixo quasi invencivel de
muitos dos nossos cultivadores. Alguns até ignoram o
que perdem - e outros não querem ou não ousam
alterar o systema de cultura seguido por seus pais. É
uma grande cegueira ou uma deploravel negligencia,
que nos mostra a lentidão com que se propagam as
praticas agricolas da mais evidente utilidade!
1058. Nós temos alguns rios, que de pouco ou
nada servem á navegação, mas que poderiam ser
empregados na rega dos campos marginaes, e mesmo na
rega das extensas veigas, que demoram nas suas proximidades.
Um vasto systema de canalisação para aproveitar
as agoas destes rios seria o maior passo que poderia
dar-se na carreira do progresso agricola do paiz.
O Zezere, o Nabão, o Guadiana, o rio Ervedal
estão neste caso, assim como um grande numero de
ribeiras tributarias destes, e de outros rios inda mais
caudalosos. Bem depressa (não diremos no nosso
apoquentado paiz, mas em quasi todos os da Europa) a
multiplicação dos caminhos de ferro tornará menos necessaria
a viação aquatica, e os rios, mesmo os navegaveis,
correrão quasi inuteis sobre o solo se os não
empregarmos na irrigação dos campos: então a
agricultura, que segundo diz o Conde de Gasparin parece
ser destinada a recolher as migalhas, que cahem da
mesa dos ricos, terá á sua disposição um recurso, que
se tornará inutil a outras industrias mais opulentas e
favorecidas.
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1059. É por centenares de milhões, diz um grande
agronomo dos nossos dias, que os Governos devem
contar a perda que resulta da massa de agoas, que
descuidosos deixam correr para o mar sem tirar della
o menor proveito. - Mas como os espiritos dos homens
pensadores teem já apreciado todo o valor desta
grave perda, e como é quasi insuperavel o poder das
grandes verdades perfilhadas pela sciencia, é de
presumir que melhor esclarecidos os administradores do
estado imprimam de futuro aos trabalhos publicos uma
mais nobre e proveitosa direcção.
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1060. Nós temos, sem sair da nossa formosa peninsula,
prestantes indicações a seguir, que demonstram
as immensas vantagens, que a agricultura póde
tirar do bom aproveitamento das agoas. As obras
hydraulicas que os arabes aqui deixaram são altamente
instructivas e revellam a grande civilisação e
laboriosidade daquelle povo. As huertas de Valencia, essa
vasta bacia, que se dilata n'um raio de algumas leguas
em torno desta bella cidade cingida por um verde
cinto de jardins e de vergeis, estas hortas, regadas
por uma rêde de canaes habilmente distribuidos,
são um exemplo prodigioso das vantagens agricolas da
irrigação.
1061. Na sua obra sobre as irrigações de Hespanha
cita-nos Mr. Jaubert de Passa um facto que
nos demonstra a que ponto nos paizes meridionaes se
póde augmentar a energia productiva do solo por
intervenção das regas. Elle viu nos arredores de Valencia,
nas hortas de que acabámos de fallar, obterem
alguns hortelões em menos de uma geira de terra tres
milhões de pimentões, que vendidos pelo preço de 240
réis o milhar, produziram o valor de 720$000 réis.
E este rendimento não era senão o de unica colheita
das tres que ordinariamente se obtem no mesmo
terreno no decurso de cada anno. - Nós, que já nos
achámos neste paraiso da industria horticola, e que
o visitámos penetrados de admiração e de deleite,
podemos corroborar com o nosso testimunho a asserção
deste illustre observador.
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1062. As veigas e os campos de Murcia, de Granada
e de Aragão devem igualmente a sua admiravel
fertilidade aos conhecimentos hydraulicos que os povos
destas provincias possuem desde muitos seculos relativamente
á arte das irrigações. Como exemplos domesticos
tambem poderiamos citar, posto que em escala
menor, os campos de Logomel, Ervedal e Ponte de
Sor que produzem hoje, depois que as suas agoas são
economicamente aproveitadas, cinco ou seis vezes mais
do que produziam quando a sua cultura era a cultura
banal do Alemtejo. E quem ignora que a nossa sempre
verde provincia do Minho deve grande parte da sua
fertilidade e do seu risonho aspecto ao emprego das
agoas de muitos dos seus rios?
1063. Não é n'um trabalho desta natureza que
se podem mencionar todos os factos comprovativos da
asserção que ennunciamos mas os canaes de irrigação
da Provença e do Milanez na Europa, e os da
China e da Persia na Asia provam que a canalisação
geral do solo nos paizes agricolas, e particularmente
no nosso, o mais meridional da Europa, são uma das
emprezas mais uteis á fortuna publica e particular que
podem emprehender os Governos ou o espirito societario
da nossa epoca.
1064. As agoas de irrigação da Lombardia e do
Piemonte representam, segundo os calculos de habeis
economistas, a renda de 8:000 contos ou um capital
de 160:000 contos (400 milhões de cruzados). Estes
enormes valores seriam quasi todos perdidos e sepultados
no Mediterraneo e no mar Adriatico sem os canaes
de irrigação destes opulentos paizes. As agoas do
Pó, do Tessino, do Adda, do Muza são a limpha ou
antes o sangue do reino Lombardo-Veneziano, que
Deus fez tão feliz, e os homens tão desgraçados!
Daqui podemos, pois, inferir qual deva ser a massa de
riquezas que é sepultada annualmente nas agoas litoraes
do Oceano, onde vão desagoar todos os nossos rios
carregados dos mais ricos despojos do nosso solo e vegetação.
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1065. O valor das agoas não é o mesmo em todas
as situações e climas agricolas: ellas teem menos
valor nos paizes do norte do que nos do meio dia,
porque a acção da agoa sobre a vegetação está na
razão do maior ou menor gráo de temperatura; e póde
considerar-se a energia vegetativa de qualquer região
botanica como um producto resultante destes dois
factores - agoa e temperatura. E na verdade se 2 de
calor multiplicados por 2 de agoa dão 4 de producto,
5 de calor multiplicados por 5 de agoa dão 25; e
eis-aqui como se explica o effeito quasi miraculoso das
irrigações nos paizes meridionaes. Esta formula fica
sendo de uma exactidão rigorosa se a estes dois
factores juntarmos um terceiro factor, o do solo, que
póde ser soffrivel, bom, ou optimo em todas as estações
agricolas.
1066. As agoas que se podem empregar nas regas
actuam no solo por um modo muito diverso. Ha
agoas que o esterelisam - ha outras que o não
fecundam - e outras pelo contrario que lhe imprimem
uma extraordinaria fecundidade. As primeiras são
agoas que contéem uma notavel quantidade quer de
saes carbonatados de magnesia ou de ferro, quer de
sulphatos de cal. Estas agoas esterelisam os terrenos,
porque aquelles carbonatos perdendo ao ar uma parte
do seu acido carbonico se precipitam e formam
não só em torno das raizes das plantas, mas tambem
sobre a terra uma crusta que embaraça as funcções
correlativas das radiculas e do solo; e porque
os sulphatos de ferro quando abundantes obram como
agentes de desorganisação ou como venenos. As
segundas são agoas pouco arejadas e por tanto pouco
oxigenadas, que apoderando-se de uma porção do
oxigeneo do solo e das plantas, as privam, em grande
parte, de um dos seus principaes elementos chimicos,
o que entorpece, ou pelo menos retarda o seu
desenvolvimento. As ultimas finalmente ou as fertilisantes
são agoas arejadas contendo saes de potassa,
de soda e de ammonia, assim como materias organicas
e acido carbonico em dissolução. Vê-se por tanto
a necessidade de reconhecer previamente a natureza
das agoas antes de as empregarmos no mister
das irrigações.
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1067. As agoas sobrecarregadas de sulphato de
ferro, ou de caparosa reconhecem-se por apresentarem
á sua superficie um inducto luzente e de uma
côr ferruginosa, e tambem pelo seu gosto adstringente
e metalico. Os saes carbonatados revella-os a
ebulição evolvendo o acido carbonico, e precipitando
no fundo do vaso as bases terreas. Ha meios para
determinar rigorosamente a quantidade de ar contido
na agoa, mas esses meios não podem apresentar-se
aqui. A agoa completamente arejada é muito menos
pesada do que a da chuva, porque póde chegar a
dissolver até 36 por cento do seu volume de ar; este
ar é mais oxigenado do que o atmospherico. Quando
a agoa não chega a ter 2 por cento do seu volume
de ar é pouco propria para a vegetação. As agoas
dos poços e das neves derretidas estão neste caso
mas corrigem-se e arejam-se facilmente, agitando-as
ao ar; ou mesmo deixando-as por algum tempo em
contacto com este fluido.
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1066. As agoas gipsosas ou selinitosas, vulgarmente
denominadas agoas cruas, são más para a bebida
e para a vegetação; os legumes cozem-se muito
mal nestas agoas. As agoas carregadas de carbonato
de potassa e de soda esverdeam depois da ebudição o
xarope de violetas.
1067. Não são geralmente boas as agoas que não
dissolvem bem o sabão, e em que os legumes se não
cozem facil e completamente; e estas duas propriedades
bastam para decidir o agricultor sobre a sua natureza.
1068. Entre as agoas fertelisantes ha umas mais
energicas do que outras. As agoas dos rios e das
ribeiras que acarretam uma materia lodosa composta
de saes terreos e substancias organicas, assim como
as das enxurradas que atravessam as povoações são as
mais convenientes á vegetação. As agoas das fontes podem
conter diversos saes uns uteis, outros prejudiciaes
ás plantas; estas agoas quando apresentam substancias
calcareas em dissolução por atravessarem terrenos marnosos